Por Ailson Lima
Mineiro, com duas faculdades no currículo e mestre em
virologia pela UFMG. Antônio Augusto, o “Shaftiel” é mais um filho dos anos 80.
Começou a jogar RPG em 1994, pouco antes da grande explosão do jogo que
aconteceria tempos depois.
Velho conhecido entre os
leitores a Dragão Brasil e dos fãs do Sistema DAEMON , ninguém poderia
imaginar que o garoto que nem gostava tanto assim de ler, se tornaria um contista de qualidade com 11 livros
publicados na bagagem, entre eles, uma participação na compilação de contos do
cenário de Tormenta, leitura obrigatória para os amantes do cenário. Shaftiel deve
esse interesse ao nosso jogo de contar histórias e a um livro em especial
chamado “Viajantes do Infinito” da autora Flávia Muniz, indicado pela sua
professora de português da oitava série.
Tive o prazer de bater um papo com esse artista e de manter
certo contato com ele por esses dias. Sempre atencioso, Shaftiel respondeu
algumas perguntas para nós e costuma marcar presença sempre que pode no grupo
do facebook. Saiba um pouco mais sobre esse autor agora, tomando emprestadas
algumas palavras de Eddie Vedder do Peral Jam, “por baixo disso tudo, apenas outro ser humano”.
1. Você é do interior de Minas Gerais, como
foi viver os anos 80 e comecinho dos 90 por lá?
R: Olha, garanto que bem diferente da capital. Itaúna é uma cidade
pequena, sem grandes badalações. Nunca teve shopping e parque de diversões
aparecia uma vez por ano. Na infância isso não tem muita importância e não
tenho nada para reclamar. Basta ter alguns amigos e o mínimo de imaginação que
o tédio se dispersa como fumaça no vento. Vivia praticamente em um sítio e me
deslocava entre as casas dos meus primos de bicicleta sem medo de ser assaltado
ou sequestrado. Nos anos noventa, com a adolescência, a gente começa a procurar
outras diversões. Aí o recurso era sempre procurar companhias para sair nas
cidades mais badalas em volta de Itaúna.
Como era a sua relação com os livros?
R: Eu odiava. Odiava livros principalmente por um motivo, a literatura
que meus professores me obrigavam a ler na escola. Não fosse o RPG e uma
professora de português da oitava série (que indicou Viajantes do Infinito como parte da leitura obrigatória do ano), eu
nunca teria passado a ler e escrever. Para piorar, Itaúna nem livraria tinha
naquela época. Pedíamos livros diretamente na editora, em conjunto, ou íamos a
Belo Horizonte. Mas foi a partir dos quinze anos que realmente comecei a ler e
justamente quando a literatura de fantasia era raridade nas livrarias.
As suas obras falam sobre seres
sobrenaturais, mitologia, folclore. De onde veio o fascínio por essas
criaturas? Já teve alguma experiência com o sobrenatural?
R: Nunca, a não ser as histórias de assombração do interior ou aqueles
sustos de dormir naquelas casas velhas ou em sítios no fim do mundo. Não sei
bem de onde vem isso, mas desde criança fui fascinado por duas coisas:
mitologia e dinossauros. Antigamente existiam as enciclopédias, vendidas de
porta em porta, e eu passava horas nas partes de história, mitologia e
paleontologia. Não sei explicar o motivo do fascínio, do mesmo modo que não
entendo porque hoje sou apaixonado por genética.
No seu livro “Entre Anjos e Demônios” você
introduz aspectos sobre o folclore brasileiro e geralmente os leitores lembram
logo do folclore europeu quando o assunto é “fantasia”. Como é escrever sobre o
seu próprio folclore?
R: Complicado, vou logo dizendo. As pessoas possuem um preconceito em
relação ao nosso folclore, muitas vezes simplesmente por causa da pronúncia dos
nomes, pelo que já notei. Algumas vezes, de brincadeira, descrevi um Boitatá ou
Caapora sem falar o nome ou dando nomes inventados e parecidos com algo celta.
O pessoal se empolgava logo. Inseri essa parte no Entre Anjos e Demônios mais por teimosia, mesmo sabendo que não
agradaria muita gente. Acabou que teve quem gostou e me diverti com isso. Acho
importante valorizar nosso folclore e nossa terra. Não precisa ser ufanista
(sou contra o fanatismo!), mas é bom escrever histórias ambientadas no Brasil e
dar valor ao que temos aqui.
É bom lembrar também que muitos mitos no
Brasil são adaptações européias ou então parte de lendas que são encontradas em
diversas partes do mundo. O que acontece é que muitas vezes o modo como as
histórias são contadas é menos “terrível” ou sem efeitos especiais do que
costumamos ouvir ou ver quando se trata de lendas européias.
Dá pra viver de literatura no Brasil?
R: Olha, até dá se você for o Paulo Coelho ou o André Vianco, por
exemplo. Alguns outros autores já se deram muito bem, mas acho que isso também
tem a ver não apenas com a qualidade deles, mas também com o fator aleatório,
quase como a teoria do caos (dá para ler um pouco sobre isso em O Andar do Bêbado, que conta como
alguns sucessos da literatura tiveram muito do fator aleatório envolvido na
origem). Vi ótimos escritores na internet que quase não fazem sucesso ou que
ainda nem tiveram chance. Acho uma pena isso, mas talvez com a entrada dos
livros eletrônicos no mercado, a coisa fique um pouco mais fácil.
Eu
não vivo de literatura. Seria até bom ter uma boa renda ligada a livros, mas
também não gostaria de abandonar meu trabalho atual. Um meio termo talvez fosse
o mais interessante
Você começou a jogar RPG em 95, como foi
esse contato? O RPG mudou muito nesses quase vinte anos?
R: Na verdade, refazendo as contas outro dia, acho que comecei a jogar em
1994. Foi pouco antes do “boom” do RPG. As coisas mudaram muito. Naquela época,
era fácil se encontrar jogadores. Os eventos aconteciam com uma freqüência
grande e estavam sempre cheios. Havia às vezes três revistas de RPG nas bancas.
Mesmo em Itaúna havia muitos grupos. Já cheguei a mestrar para 14 pessoas de
uma vez só e tínhamos que filtrar quem iria jogar ou não.
O RPG foi minguando logo depois do ano
2000. Lembro que o Encontro Internacional de RPG de 2002 foi o último a ter um
bom público. Nessa época já dava para notar o número de grupos diminuindo. No
meu caso, isso coincidiu com muita coisa. Eu já estava na faculdade e
trabalhando. O mesmo acontecia com alguns amigos meus. Assim o interesse foi se
perdendo. Muita gente deixou de jogar por falta de tempo ou porque simplesmente
passou achar que o hobby era coisa de criança. Hoje em dia, meu grupo é formado
por pessoas que conheci por causa do RPG, bons amigos com quem convivo há mais
de dez anos e cuja convivência vai além de rolar dados, mas com quem também
faço churrascos e viagens.
Conta um pouco sobre a sua experiência na
antiga “Dragão Brasil”
R: Publicar na Dragão Brasil era um sonho de
qualquer jogador na época. A revista fazia sucesso e havia muita gente que
considerava tudo o que saia na revista como oficial ou palavra final em certos
assuntos. A chance surgiu porque meu site, Trevas do Brasil, começou a ganhar
destaque devido ao número de publicações. Eu escrevia muito na época e jogava
tudo na internet. Comecei a desanimar depois dos inúmeros plágios com material
meu sendo sugado para um ou outro site sem citar a origem.
A oportunidade foi boa e a maior parte
do material publicado sobre lobisomens brasileiros na primeira matéria saiu diretamente
do Trevas do Brasil. Depois disso, vieram outros artigos, principalmente para
Tormenta. É bom ver que depois de 12 anos tem gente que ainda usa esse
material.
Mas o que mais me agradou nisso tudo foi
publicar contos. Gostei muito. Alguns deles ainda são lidos na internet, sendo
um até publicado mais uma vez em uma antologia da editora Jambô, Crônicas de Tormenta.
Como se dá o processo de criação de uma
nova obra? De onde vem a inspiração? Você simplesmente senta e escreve ou
precisa fazer uma pesquisa aprofundada sobre o tema em questão?
R: Depende muito do livro. Em alguns casos, a ideia vem, eu me sento, e
começo a escrever. Isso aconteceu no Benção
do Inimigo. Em outros, a pesquisa é mais aprofundada, sendo que não houve
nenhum para o qual eu tenha me preparado tanto quando o Sangue e Glória, sobre guerra na Grécia Antiga.
Quase sempre escrevo só porque a idéia vem e
dá vontade de falar sobre aquilo. Começa do nada como uma cena que acho
interessante e dela eu desenvolvo o restante da história.
Escrever sobre horror é mais difícil? Como
você enfatiza o fator “medo” nas suas publicações?
R: É sempre difícil. Na verdade, não tenho lido nenhum autor recente que
seja de terror. Quase sempre os livros são suspense ou no máximo aventuras
tensas. Na verdade, nem penso muito nos meus livros como horror.
Você se inspirou em algum autor para
começar a escrever?
R: Quando comecei, não. Com o passar do tempo, meu trabalho teve
influências diretas de autores como Maurice Druon, Bernard Cornwell e George
Martin. No início, o que me influenciava era o RPG, fosse D&D ou Vampiro: a
Máscara. Posteriormente peguei carona no Trevas
da editora Daemon, uma ambientação que sempre me atraiu desde a primeira versão
do livro Arkanun.
Depois de “Benção do Inimigo”, em que você
está trabalhando agora? Podemos esperar por mais novidades?
R: Espero que sim! Nos últimos anos, a minha vida mudou muito de rumo:
mestrado, doutorado, chefia do laboratório e coisas assim foram tomando muito
do meu tempo. Agora estou um pouco mais livre. Tenho uns quatro romances
prontos para sair, inclusive o Tragédias
Inevitáveis, que é a continuação do Benção
do Inimigo. Não sei bem como vou publicar, ao menos em formato eletrônico
eles devem sair.
Estou começando a reescrever e venho
treinado com um romance novo, mas não tenho tantos planos para publicá-lo. É
apenas para voltar a reaquecer.
CARAMBA! Muito feliz por essa entrevista! Parabéns!
ResponderExcluirValeu Diogo, ainda bem que curtiu. Continue acompanhando o blog!
ExcluirÓtima , matéria . Seria espetacular ter ele eme algum evento aqui em Pernambuco. ja li alguns dos livros sme saber quem era o Ilustrissimo que os escreveu.
ResponderExcluirGostei bastante, estou esperando a continuação de Benção do Inimigo há tempos, vamos apressar as coisas, Shaftiel. ^^
ResponderExcluirMuito bacana!
ResponderExcluirMuito boa a entrevista. Quando li Benção do Inimigo, achei sensacional. O livro empolga, do começo ao fim.
ResponderExcluirAlém disso, seus personagens, tanto heróis, anti-heróis e vilões, são marcantes. O livro, de fato, precisa urgentemente de uma continuação. Veremos o que futuro trará com o filho de Siviane a Kah-leh!