quinta-feira, 19 de abril de 2012

MalkBlog entrevista Antônio Augusto Shaftiel



Por Ailson Lima

Mineiro, com duas faculdades no currículo e mestre em virologia pela UFMG. Antônio Augusto, o “Shaftiel” é mais um filho dos anos 80. Começou a jogar RPG em 1994, pouco antes da grande explosão do jogo que aconteceria tempos depois.

 Velho conhecido entre os leitores a Dragão Brasil e dos fãs do Sistema DAEMON , ninguém poderia imaginar que o garoto que nem gostava tanto assim de ler, se tornaria  um contista de qualidade com 11 livros publicados na bagagem, entre eles, uma participação na compilação de contos do cenário de Tormenta, leitura obrigatória para os amantes do cenário. Shaftiel deve esse interesse ao nosso jogo de contar histórias e a um livro em especial chamado “Viajantes do Infinito” da autora Flávia Muniz, indicado pela sua professora de português da oitava série.

Tive o prazer de bater um papo com esse artista e de manter certo contato com ele por esses dias. Sempre atencioso, Shaftiel respondeu algumas perguntas para nós e costuma marcar presença sempre que pode no grupo do facebook. Saiba um pouco mais sobre esse autor agora, tomando emprestadas algumas palavras de Eddie Vedder do Peral Jam, “por baixo disso tudo, apenas outro ser humano”.

1.       Você é do interior de Minas Gerais, como foi viver os anos 80 e comecinho dos 90 por lá?

R: Olha, garanto que bem diferente da capital. Itaúna é uma cidade pequena, sem grandes badalações. Nunca teve shopping e parque de diversões aparecia uma vez por ano. Na infância isso não tem muita importância e não tenho nada para reclamar. Basta ter alguns amigos e o mínimo de imaginação que o tédio se dispersa como fumaça no vento. Vivia praticamente em um sítio e me deslocava entre as casas dos meus primos de bicicleta sem medo de ser assaltado ou sequestrado. Nos anos noventa, com a adolescência, a gente começa a procurar outras diversões. Aí o recurso era sempre procurar companhias para sair nas cidades mais badalas em volta de Itaúna.



Como era a sua relação com os livros?

R: Eu odiava. Odiava livros principalmente por um motivo, a literatura que meus professores me obrigavam a ler na escola. Não fosse o RPG e uma professora de português da oitava série (que indicou Viajantes do Infinito como parte da leitura obrigatória do ano), eu nunca teria passado a ler e escrever. Para piorar, Itaúna nem livraria tinha naquela época. Pedíamos livros diretamente na editora, em conjunto, ou íamos a Belo Horizonte. Mas foi a partir dos quinze anos que realmente comecei a ler e justamente quando a literatura de fantasia era raridade nas livrarias.

As suas obras falam sobre seres sobrenaturais, mitologia, folclore. De onde veio o fascínio por essas criaturas? Já teve alguma experiência com o sobrenatural?

R: Nunca, a não ser as histórias de assombração do interior ou aqueles sustos de dormir naquelas casas velhas ou em sítios no fim do mundo. Não sei bem de onde vem isso, mas desde criança fui fascinado por duas coisas: mitologia e dinossauros. Antigamente existiam as enciclopédias, vendidas de porta em porta, e eu passava horas nas partes de história, mitologia e paleontologia. Não sei explicar o motivo do fascínio, do mesmo modo que não entendo porque hoje sou apaixonado por genética.
   
   No seu livro “Entre Anjos e Demônios” você introduz aspectos sobre o folclore brasileiro e geralmente os leitores lembram logo do folclore europeu quando o assunto é “fantasia”. Como é escrever sobre o seu próprio folclore?

R: Complicado, vou logo dizendo. As pessoas possuem um preconceito em relação ao nosso folclore, muitas vezes simplesmente por causa da pronúncia dos nomes, pelo que já notei. Algumas vezes, de brincadeira, descrevi um Boitatá ou Caapora sem falar o nome ou dando nomes inventados e parecidos com algo celta. O pessoal se empolgava logo. Inseri essa parte no Entre Anjos e Demônios mais por teimosia, mesmo sabendo que não agradaria muita gente. Acabou que teve quem gostou e me diverti com isso. Acho importante valorizar nosso folclore e nossa terra. Não precisa ser ufanista (sou contra o fanatismo!), mas é bom escrever histórias ambientadas no Brasil e dar valor ao que temos aqui.

        É bom lembrar também que muitos mitos no Brasil são adaptações européias ou então parte de lendas que são encontradas em diversas partes do mundo. O que acontece é que muitas vezes o modo como as histórias são contadas é menos “terrível” ou sem efeitos especiais do que costumamos ouvir ou ver quando se trata de lendas européias.

 Dá pra viver de literatura no Brasil?

R: Olha, até dá se você for o Paulo Coelho ou o André Vianco, por exemplo. Alguns outros autores já se deram muito bem, mas acho que isso também tem a ver não apenas com a qualidade deles, mas também com o fator aleatório, quase como a teoria do caos (dá para ler um pouco sobre isso em O Andar do Bêbado, que conta como alguns sucessos da literatura tiveram muito do fator aleatório envolvido na origem). Vi ótimos escritores na internet que quase não fazem sucesso ou que ainda nem tiveram chance. Acho uma pena isso, mas talvez com a entrada dos livros eletrônicos no mercado, a coisa fique um pouco mais fácil.

Eu não vivo de literatura. Seria até bom ter uma boa renda ligada a livros, mas também não gostaria de abandonar meu trabalho atual. Um meio termo talvez fosse o mais interessante

Você começou a jogar RPG em 95, como foi esse contato? O RPG mudou muito nesses quase vinte anos?

R: Na verdade, refazendo as contas outro dia, acho que comecei a jogar em 1994. Foi pouco antes do “boom” do RPG. As coisas mudaram muito. Naquela época, era fácil se encontrar jogadores. Os eventos aconteciam com uma freqüência grande e estavam sempre cheios. Havia às vezes três revistas de RPG nas bancas. Mesmo em Itaúna havia muitos grupos. Já cheguei a mestrar para 14 pessoas de uma vez só e tínhamos que filtrar quem iria jogar ou não.
        O RPG foi minguando logo depois do ano 2000. Lembro que o Encontro Internacional de RPG de 2002 foi o último a ter um bom público. Nessa época já dava para notar o número de grupos diminuindo. No meu caso, isso coincidiu com muita coisa. Eu já estava na faculdade e trabalhando. O mesmo acontecia com alguns amigos meus. Assim o interesse foi se perdendo. Muita gente deixou de jogar por falta de tempo ou porque simplesmente passou achar que o hobby era coisa de criança. Hoje em dia, meu grupo é formado por pessoas que conheci por causa do RPG, bons amigos com quem convivo há mais de dez anos e cuja convivência vai além de rolar dados, mas com quem também faço churrascos e viagens.

Conta um pouco sobre a sua experiência na antiga “Dragão Brasil”

R: Publicar na Dragão Brasil era um sonho de qualquer jogador na época. A revista fazia sucesso e havia muita gente que considerava tudo o que saia na revista como oficial ou palavra final em certos assuntos. A chance surgiu porque meu site, Trevas do Brasil, começou a ganhar destaque devido ao número de publicações. Eu escrevia muito na época e jogava tudo na internet. Comecei a desanimar depois dos inúmeros plágios com material meu sendo sugado para um ou outro site sem citar a origem.
        A oportunidade foi boa e a maior parte do material publicado sobre lobisomens brasileiros na primeira matéria saiu diretamente do Trevas do Brasil. Depois disso, vieram outros artigos, principalmente para Tormenta. É bom ver que depois de 12 anos tem gente que ainda usa esse material.
        Mas o que mais me agradou nisso tudo foi publicar contos. Gostei muito. Alguns deles ainda são lidos na internet, sendo um até publicado mais uma vez em uma antologia da editora Jambô, Crônicas de Tormenta.

Como se dá o processo de criação de uma nova obra? De onde vem a inspiração? Você simplesmente senta e escreve ou precisa fazer uma pesquisa aprofundada sobre o tema em questão?

R: Depende muito do livro. Em alguns casos, a ideia vem, eu me sento, e começo a escrever. Isso aconteceu no Benção do Inimigo. Em outros, a pesquisa é mais aprofundada, sendo que não houve nenhum para o qual eu tenha me preparado tanto quando o Sangue e Glória, sobre guerra na Grécia Antiga.
        Quase sempre escrevo só porque a idéia vem e dá vontade de falar sobre aquilo. Começa do nada como uma cena que acho interessante e dela eu desenvolvo o restante da história.

Escrever sobre horror é mais difícil? Como você enfatiza o fator “medo” nas suas publicações?

R: É sempre difícil. Na verdade, não tenho lido nenhum autor recente que seja de terror. Quase sempre os livros são suspense ou no máximo aventuras tensas. Na verdade, nem penso muito nos meus livros como horror.  

Você se inspirou em algum autor para começar a escrever?

R: Quando comecei, não. Com o passar do tempo, meu trabalho teve influências diretas de autores como Maurice Druon, Bernard Cornwell e George Martin. No início, o que me influenciava era o RPG, fosse D&D ou Vampiro: a Máscara. Posteriormente peguei carona no Trevas da editora Daemon, uma ambientação que sempre me atraiu desde a primeira versão do livro Arkanun.

Depois de “Benção do Inimigo”, em que você está trabalhando agora? Podemos esperar por mais novidades?

R: Espero que sim! Nos últimos anos, a minha vida mudou muito de rumo: mestrado, doutorado, chefia do laboratório e coisas assim foram tomando muito do meu tempo. Agora estou um pouco mais livre. Tenho uns quatro romances prontos para sair, inclusive o Tragédias Inevitáveis, que é a continuação do Benção do Inimigo. Não sei bem como vou publicar, ao menos em formato eletrônico eles devem sair.
        Estou começando a reescrever e venho treinado com um romance novo, mas não tenho tantos planos para publicá-lo. É apenas para voltar a reaquecer.

6 comentários :

  1. CARAMBA! Muito feliz por essa entrevista! Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu Diogo, ainda bem que curtiu. Continue acompanhando o blog!

      Excluir
  2. Ótima , matéria . Seria espetacular ter ele eme algum evento aqui em Pernambuco. ja li alguns dos livros sme saber quem era o Ilustrissimo que os escreveu.

    ResponderExcluir
  3. Gostei bastante, estou esperando a continuação de Benção do Inimigo há tempos, vamos apressar as coisas, Shaftiel. ^^

    ResponderExcluir
  4. Muito boa a entrevista. Quando li Benção do Inimigo, achei sensacional. O livro empolga, do começo ao fim.

    Além disso, seus personagens, tanto heróis, anti-heróis e vilões, são marcantes. O livro, de fato, precisa urgentemente de uma continuação. Veremos o que futuro trará com o filho de Siviane a Kah-leh!

    ResponderExcluir

O que achou da postagem? Seu feedback é importante pra nós!

Leia também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...