No ar causticante, carregado de ódio, paira
uma pergunta: quando a fúria tomará você?
Existem
jogos que nos transportam para mundos de fantasia, ou para uma versão sombria e
misteriosa do mundo real. Lobisomem, o apocalipse nos deixa no nosso próprio
mundo, mas nos faz refletir que tudo isso aqui é efêmero, está fadado ao fim e
a culpa é de todos nós. O egoísmo do ser humano está acabando com a terra, a desunião
entre as tribos um dia colocará tudo a perder. O que se tem a fazer? Lutar por
uma causa perdida. Missão somente aceita por verdadeiros heróis (anti-heróis).
Sim, Lobisomem é um jogo em que os personagens dos jogadores devem ser heróis e
lutar contra o pior inimigo de todos: o lobo que cada um tem dentro de si, o
desejo de desistir, de passar para o lado das sombras e se entregar a esse
mundo hostil.
Lobisomem,
o apocalipse chegou ao Brasil em meados dos anos 90 propondo um cenário Punk
Gótico, a atmosfera sombria, grandiosa e distante mesclada à contra cultura, a
violência e ao underground.
Buscando
entender as facetas que fazem parte deste conhecido RPG a minha missão é
desfazer alguns tabus e mostrar as várias formas de se divertir com este
maravilhoso RPG. Estão preparados?
Correndo pela Floresta,
a primeira mudança
O
garoto que tem pesadelos estranhos à noite, que corre pela mata nos seus
sonhos. Dentro dele, uma força inexplicável, a fúria: um elo tênue que separa
os homens das bestas. O apanhador de sonhos que uma menina recebeu do seu avô
quando criança e a protege dos espíritos dos pesadelos. O garoto que
repentinamente começou a ficar violento no colégio, perdendo o controle
facilmente e sem motivo aparente, são apenas alguns exemplos de como é possível
introduzir os jogadores no mundo de Werewolf.
Feito
isso, é hora do ritual de passagem. Geralmente esses ritos envolvem missões
menores onde os filhotes recém-descobertos devem mostrar o seu valor perante a
seita. Neste momento, uma coisa deve ser lembrada: o caern. O lugar que guarda
a energia espiritual dos Garou é uma das coisas que o narrador deve se importar
no começo da sessão. Os livros mostram como fazer a até trazem alguns prontos.
Detalhe os Anciões da Tribo. Escreva pelo menos três linhas sobre cada um deles
e você não terá problemas na hora do “vamos ver”. O Caern será um local
importante para os jovens lobos. É lá que encontrarão refúgio e a resposta para
as suas dúvidas latentes. O mestre de rituais pode auxiliar o theurge, o vigia
pode ajudar o Arhoun e assim por diante. A sociedade Garou é altamente
estruturada e isso é uma marca do jogo. Lembre disso na hora que for narrar.
A
cultura da oralidade dos lobisomens irá exigir um pouco mais do narrador que
deseja escrever histórias sobre esta temática. Muitas das principais histórias
dos Garou não são registradas. Elas atravessam os séculos sento contadas ao pé
da fogueira e esse é um dos aspectos mais presentes no jogo. A arte de contar
histórias, de inspirar bravos guerreiros e de manter os filhotes nos seus
devidos lugares. O contador de histórias é você e não um livro ou documento,
somente a sua voz e a luz tênue da fogueira irão transmitir a cultura dos
Garou.
Faça
jus ao seu nome e se não souber improvisar, tenha em mãos um texto bem escrito
para ler na hora que for preciso. Como a primeira impressão é a que fica, tente
introduzir o ritual de passagem desta forma, contando uma história a ser
resolvida pelos personagens dos jogadores.
Horror pessoal x Horror
Selvagem
Vampiros
têm os seus traumas por terem se transformado em criaturas da noite e perdido
tudo aquilo que possuíam em vida. Lobisomens nunca se sentirão a vontade em
nenhum dos mundos. O mundo dos homens logo se torna um lugar fútil e a vontade
de se unir novamente com a natureza rasga os seus corações. Da mesma forma com
que um Garou que escolha viver entre os lobos inevitavelmente sentirá um desejo
latente de observar o mundo dos humanos mais de perto sem saber que o
precipício está bem diante das suas patas.
Lobisomens não pertencem a nenhum dos mundos |
Lobisomem não é um jogo de horror
pessoal, pois trata do fim do mundo que conhecemos e de como os Garou perdem a
luta travada contra a Wyrm, a força do mal que paira no mundo. Suas emoções
muitas vezes são reprimidas pelo instinto animal dentro deles. Os Garou agem
tem que ser fortes ou então cairão em desgraça. De fato, a moral dos Lobisomens muitas vezes difere daquela preestabelecida
pela sociedade, mas isso não quer dizer que eles não possam fazer atos dignos
de grandes heróis. Eles apenas fazem do seu jeito. E é aí que está a graça.
Então o horror em
lobisomem está associado a perda, a repressão, ao ódio, a sociedade, ao mundo.
É algo mais abrangente que pode ser explorado de várias formas diferentes.
O misticismo nas
crônicas de Lobisomem
Os
Os lobisomens são seres animistas. Acreditam na experiência da alma, nos sonhos e que tudo
nesta terra possui um espírito. Tudo mesmo, desde as grandes árvores, um lápis
feito pelo homem, um carro velho, o vento, o fogo... Isso é tema para outro
artigo...
Só imagine... |
Esse fato transmite ao jogo uma atmosfera toda
especial. Em Lobisomem é possível interagir com o abstrato. Neste ponto a
liberdade imaginativa do narrador é primordial para um bom desenvolvimento da
trama. Como interpretar um espirito do vento? Qual a personalidade do espírito
do semáforo? Sabia que até mesmo a sua asa possui um espírito latente que fica
feliz quando você cuida dela? Sabe aquela planta que não recebe água há dias?
Ela deve estar muito triste e relutará em ajudar você quando for preciso.
Entendendo isso, os lobisomens não só respeitam como atuam em conjunto com
estes seres etéreos.
Se você quer mesmo introduzir este misticismo nas
suas crônicas entenda estes pontos básicos:
- Espíritos nunca são óbvios, sempre se manifestarão de formas diferentes.
- Um encontro com um deles deve ser um acontecimento único e lembrado para sempre pelos jogadores
- Use metáforas, analogias, fale assobiando como o vento, com rispidez como o metal, descreva efeitos especiais. Imagine!
Espíritos podem fazer o mal também! |
Os rituais também são uma ótima forma de introduzir
o misticismo na sua crônica. Todas as culturas possuem os seus ritos. Aqui não
é diferente, desde uma saudação a lua até rituais de purificação, se
interpretados com devida atenção darão um sabor todo especial para a sua
crônica. Não deixe isso passar batido, ou você não estará narrando lobisomem.
Ativismo Ambiental
Alguém lembrou de mim? |
Se
você curte o Greenpeace, gosta de proteger os animais, é ligado em
sustentabilidade, reciclagem, curte um rango vegetariano e não joga lixo na
rua, Lobisomem é o seu jogo. As possibilidades de se narrar uma história a lá
Capitão Planeta são inúmeras e podem envolver ganchos reais, problemas naturais
do nosso mundo podem ter ligação com a influência da Wyrm naquele pedaço.
A península da Califórnia está se separando do
México? Um maldito ancestral pode estar acordando e causando essa separação. A
base brasileira na Antártida foi incendiada? Será que algum fomor queria acabar com o trabalho dos
brasileiros que avançam sob os domínios do seu mestre? As possibilidades são
quase inesgotáveis. Depois do nosso último jogo, ficou difícil beber coca cola
e não comentar que aquele era um líquido da wyrm, ou jogar lixo no chão sem
culpa. Deve ser por isso que o jogo foi utilizado em sala de aula, é claro
apenas essa faceta. NA ocasião os alunos da 3ª série eram guerreiros de Gaia e
tinham que proteger a deusa que estava morrendo devido a poluição e consumo
exagerado dos seres humanos. Uma boa pedida não?
Atvismo ambiental, ligação com animais, luta contra poluição... Ei! |
Experimente o Horror nas
suas crônicas de Lobisomem
Quem foi que pediu fúria? |
O que sou? Monstro? Já
pensei que fosse humano. Mas agora sei que sou um pouco menos, algo distante e
muito mais. Sou o caçador da Meia- Noite – o Lobisomem.
Steven C. Brown
O livro nos conta que para compreender
Lobisomem, você precisa ser capaz de saborear seu clima. Sua atmosfera é sombria,
brutal e exótica, combinando um ambiente gótico de horror com o clima marginal
de poluição e decadência de um filme noir.
Em
todo e qualquer RPG cabe ao mestre em parceria com os jogadores, determinar
qual tom irá prevalecer na mesa de jogo. É claro que a predominância de um
aspecto acaba tornando qualquer coisa enfadonha com o tempo. É como um professor
que dá aula de uma única maneira, um filme que só explora as cenas de ação e
uma música com as mesmas temáticas.
Lobisomem
é dono de uma pluralidade incrível e por isso, você dificilmente irá ficar
enjoado do jogo. Múltiplas culturas se mesclam fazendo deste RPG uma releitura
das culturas antigas adaptadas para o cenário de horror selvagem a qual o livro
propõe.
Você pediu brutalidade? |
Artigos
que valem muito a pena ser lidos para explorar essas facetas se encontram no
volume 02 do Guia do Jogador de Lobisomem e podem esclarecer muitas questões
levantadas acerca do jogo. Andrew Greenberg nos leva a refletir sobre o “heroísmo”
dos lobisomens: ...“Eles matam, aleijam,
brigam como marinheiros bêbados e não procuram outra coisa além de dominar a
raça humana. Sim, eu sei que não é isso que os filhos de Gaia fazem, mas quem
liga pra eles?...”
Para estabelecer um
clima de horror dentro da sessão de jogo é preciso que todos estejam de acordo,
pois a atmosfera vai depender muito dos jogadores também. Decidindo seguir por
essa linha, vários recursos podem ser empregados como já mencionamos em várias
dicas aqui no blog( músicas, narrativas, recursos visuais) mas vamos nos ater a
escencia do jogo. Você me pergunta se Lobisomem é um jogo de Horror? Eu
respondo que sim. Ainda não entendeu por que? Então respire fundo, esqueça os
problemas, coloque um som ambiente que te remeta ao medo e se segura aí na
cadeira:
“Pude sentir o seu
cheiro. Ele não estava muito a minha frente. O cheiro do medo de Jason Dunn
deixava um rastro que eu seguia com o meu nariz, como um cego. Eu amava a caçada,
mais do que isso, amava a matança. Apenas em pensar no gosto da carne macia e
do sangue salgado, minha boca enchia-se de água. Lá estava ele. Escondido no
teto de um velho prédio no centro da cidade, um prédio de dis andares. Que
idiota.
Você não teria medo de uma coisa dessas? |
Um salto e eu estava
no teto. O terror tomou conta dele, porque pude sentir o cheiro de urina
correndo pela sua perna. Teria gargalhado se não estivesse tão concentrado na
sua garganta e no pensamento de rasgá-la. Ele deu a sua última cartada. Senti o
odor de adrenalina e do óleo de pistola. Ele atirou em mim – cinco, seis,
talvez sete vezes –mas não adiantou muito, porque eu nem mesmo senti as balas.
Ele não podia me deter com balas comuns. “Os humanos são estúpidos e Dunn não
era exceção – por ter-se mostrado, ele merecia virar carne no meu prato.”
O horror em Lobisomem é
visceral. Selvagem. Remete medo primordial do ser humano. O medo da fera. Do
bicho que espreita a noite de dentes afiados e fúria nos olhos. E vai muito
além disso, tmb´[em tem o medo do fim do mundo, o medo de perder aqueles que
amamos e o sentimento de perda, de reflexão. O medo do oculto, das florestas
escuras, das cavernas sombrias, dos espíritos da natureza, da umbra. Da Wyrm e
das suas criaturas medonhas. Explore isso na sua crônica e nunca mais venha me
falar que Lobisomem é um jogo cômico.
Ele até pode ser, mas só
se você quiser.
Deixo com vocês uma
história para ser completada, ela pode servir como um ritual de passagem
facilmente:
O Roubo do Túmulo de
Momokko
Tema: “Nunca pegue aquilo que não lhe
pertence”
Conflito: Matilha Vs Espírito enfurecido
Clima: Investigação/Misticismo
Cenário: cercanias do Caern e alguns bairros
de Edmonton
Trama: enquanto acampam na floresta, um
grupo de estudantes encontra um antigo objeto e atraídos pela beleza exótica
dele, o levam consigo sem saber que despertaram um perigoso espírito louco.Uma
matilha é formada por jovens Garou que tem como ritual de passagem aprisionar o
espírito Momokko novamente.
Cena 1: O chamado do
dever
Estejam
onde estiverem, os jovens Garou são convocados pelos líderes do Caern local
para uma missão. Já no Caern ficam sabendo do roubo do lacre da tumba de Momokko
e devem encontrar e punir os responsáveis. O espírito deve ser contido antes
que provoque uma catástrofe.
Cena 2: Distúrbios na
Floresta
O
primeiro passo é investigar o túmulo e procurar por vestígios dos ladrões. Os
garou tem uma surpresa ao chegar, pois notam que o lugar está completamente destruído.
Árvores arrancadas, animais mortos e marcas de garras por todos os lados.
Investigando,
eles encontram restos de fogueira, comida enlatada e lixo. O cheiro é fraco e
tudo indica que a bagunça aconteceu muito tempo depois dos invasores terem ido
embora.
Do
outro lado da Película, o caos é ainda maior e o rastro de destruição segue em
direção à cidade. Eles também podem ver na paisagem Umbral um grande túmulo
indígena depredado e tudo leva a crer que foi de dentro para fora!
Cena 3: mais destruição
Seguindo
a trilha deixada pelo espírito, a matilha vê ao longe um pequeno rancho em
chamas e na paisagem Umbral, os espíritos do fogo devorando a construção pedaço
por pedaço.
No
mundo físico, ainda há alguém lá dentro, mas as chamas são intensas. Se os
Garou quiserem se arriscar para salvar as duas pessoas, terão muito trabalho.
Susan e Helen, agora mais calmas, falam da loucura de Steve e da maneira
ensandecida como ele provocou o incêndio.
Não
resta dúvidas de que Steve estava sendo influenciado por Momokko e agora,
sabendo do perigo que ele pode causar a matilha deve tomar muito cuidado.
Cena 4: Seguindo a pedra
Caçadora
Steve
ainda está vivo e segundo sua espessa e filha correu como um louco pela
floresta no meio da noite. Esta é uma oportunidade de tentar capturar o
espírito, pois usando o corpo do humano ele deve estar enfraquecido.
Um
ritual bem sucedido, ou alguma outra ideia dos jogadores pode coloca-los no
rastro de Momokko que logo o encontram vagando a esmo em uma clareira.
Percebendo as intenções dos jovens, Momokko ataca usando o corpo de Steve.
Os
garou devem lutar com cuidado, pois o homem não é o alvo e sim o espírito que
sabendo das preocupações deles, usará isso como vantagem. Caso seja derrotado,
Momokko se livrará de Steve e fugirá para a Umbra.
Frustrado
por terem perdido Momokko de vista, a matilha resgata Steve e o leva para casa
em segurança. Resta aos jovens voltarem de mãos vazias para o Caern.
No
Caern os personagens poderão entender mais sobre os espíritos com o mestre de
rituais e contar o que aconteceu. Lá também receberão um presente: um vaso
indígena usado para aprisionar espíritos. O problema é que ele não pode ser
quebrado. Mas onde estaria Momokko? O que mais a nossa jovem matilha terá que enfrentar.
Isso é você quem vai contar!
Ainda não acabou, deixo para vocês uma música que embalou a minha primeira crônica de Lobisomem. Prestem muita atenção na letra e curtam o vídeo. É difícil alguém misturar um ameríndio com heavy metal de qualidade.
Um dos melhores posts do blog. Apesar do Capitão Planeta. ¬¬
ResponderExcluirSimplesmente esplêndido, e acho que o comentário do capitão planeta faz jus o nome do blog.
ResponderExcluirRealmente, post muito bom. Uma pena o autor não ter assinado.
ResponderExcluirRealmente, é um dos melhores posts. Fiquei com vontade de narrar essa historia do fim.
ResponderExcluirQuem tiver o interesse de jogar ou narrar, dá uma conferida nesse fórum. Tudo que vemos aqui dá para aplicar muito bem em uma mesa virtual. Recursos visuais, sonoros e pura criatividade.
http://lobisomemoapocalipse.livreforum.com/forum
Gostei da postagem, onde posso encontrar mais estruturas de cronicas para Lobisomem? Queria fazer um apanhado geral para montar uma historia mais complexa.
ResponderExcluirExistem diversos livros oficiais sobre histórias e cenários! Dá uma procurada no Google por Rage Across New York, Rage Across Russia, etc. So que estão em inglês!
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