quarta-feira, 7 de março de 2012

Anos 80... Cyberpunk... e Shadowrun!



"Fique ligado. Acerte no alvo. Poupe munição. E nunca - jamais! rompa um trato com um Dragão."
                                                                                                                Por Marcelo Queiroga

Os anos 80 vieram e se foram mais de duas décadas atrás, no entanto não estão nem um pouco próximos do esquecimento. Ao contrário, a Década Perdida, como ficou conhecida na América Latina, evidenciou-se por uma série de acontecimentos político-sociais e outras peculiares manifestações culturais que influenciaram e ainda hoje influenciam nossas vidas. De tal modo, o poder dos anos 80 persiste de cabeça erguida e com muita força em pleno século XXI. Os sinais disso podem ser vistos em toda parte, nos filmes, na literatura, na música, e em tantas outras influências.
Sem dúvida, a narrativa imaginária dos anos 80 revelou-se muito proeminente em diversos aspectos – grandes conquistas foram alçadas pela ficção oitentista. Por exemplo, naquela época vieram ao mundo diversas obras que ajudaram a estabelecer o ideal do rico subgênero de ficção científica Cyberpunk. O modo Cyberpunk de ver o mundo evidenciou-se com longas-metragens como Blade Runner (1982, dirigido por Ridley Scott) e Robocop (1987, dirigido por Paul Verhoeven) – que retratavam uma combinação de grandes avanços tecnológicos, atmosfera noir, e baixíssimos padrões de vida para as pessoas ("High tech, Low life"). Além do mais, o livro Neuromancer (de 1984), do genial William Gibson (que jamais poderia e poderá ser esquecido), firmou-se como umas maiores novelas Cyberpunk de todos os tempos, introduzindo ideais de inteligências artificiais avançadas e o inovador conceito de um cyberespaço.
Sou jogador de RPG e sempre fui fascinado pelo universo Cyberpunk, pois cresci respirando o melhor da atmosfera ficcional criada nos 80. Mas, apesar de ser tão apaixonado por essa visão magnífica do futuro, sempre me peguei envolvido também por universos fictícios da fantasia – mundos fantásticos de dragões, elfos e anões, como o criado por Tolkien em O Senhor dos Anéis, ou em séries animadas de grande sucesso na TV, como Caverna do Dragão (quem se lembra de Willow - Na Terra da Magia?).
Assim sendo, durante uma de minhas costumeiras viagens pela internet encontrei por mero acaso um livro à venda. Era um livro de RPG e o seu nome era Shadowrun. O preço não estava nada acessível, principalmente por se tratar de um material usado, o qual havia sido lançado no Brasil por volta de 1996, pela editora Devir. Eu já havia comprado livros igualmente antigos, contudo, nenhum custando tão alto e em tais condições. Eu me perguntei: por que tão caro? Por que esse valor exorbitante se é um livro usado e em condições não tão boas assim? Entretanto, a resposta é bem simples:
SHADOWRUN É FANTÁSTICO!

O preço elevado talvez fosse justificado pela qualidade do célebre jogo. De fato, ao ler a sinopse de Shadowrun 2ª edição fui completamente tragado para dentro de um universo que misturava duas espécimes da ficção que tanto aprendi a admirar: os gêneros Cyberpunk e fantasia, em um único e fantástico ambiente. Não resisti, tive de comprar (apesar de ter obtido um exemplar em um valor mais acessível).

O ano oficial da segunda edição de Shadowrun é 2053, e nos trás um mundo áspero, perigoso e puramente Cyberpunk, mas com a audácia da inovação de introduzir elementos fantásticos à história, com a evidente explosão da magia e a tudo que a ela pertence. O cenário expõe o poder sufocante das megacorporações, um panorama onde a tecnologia e a magia coexistem de forma pouco harmônica – um universo onde máquina e homem se fundem para gerar verdadeiros leões do Metroplexo – guerreiros predadores das ruas metropolitanas – indivíduos como os famigerados Samurais Urbanos. Shadowrun é o um RPG onde aproximadamente 1% da população possui algum talento mágico e bruxos e xamãs podem ser encontrados trabalhando como guarda-costas para algum figurão político ou executivo poderoso, um cenário onde feitiços podem ser comprados em pleno mercado negro, e aulas com um professor de magia custa em média 1.000¥ neoienes (¥ - a internacional e valiosa moeda japonesa, substituta do dólar). Shadowrun também é um universo de tecnautas, ou hackers se assim preferir, pessoas que viajam pela Malha – a rede virtual de computadores, vagando pelo cyberespaço – a Matrix, pirateando dados enquanto fogem dos perigosos GELOS, programas e estruturas virtuais que protegem bancos de dados contra invasões, e são capazes até mesmo de matar um hacker desafortunado (nunca subestime os GELOS NEGROS).
Com tudo isso, não seria difícil conceber o quanto é complexa a essência de Shadowrun. O prelúdio da história desse jogo desliza desde o período do fim dos anos 90 – revelando uma série de acontecimentos como a ascensão das megacorporações, que se tornam imensamente poderosas à medida que o poder governamental decresce e, permeia-se até por volta de 2011 – com o Despertar da magia, transformações ante os presságios do calendário Maia – aonde o mundano Quinto Mundo chega ao fim, e a magia retorna mais uma vez com a chegada do arrebatador Sexto Mundo. E, como podem perceber, o ressurgimento da magia não foi nada sutil. Que tal começar com mães saudáveis dando a luz a crianças “deformadas” apelidadas pela mídia de anões e elfos, em um acontecimento denominado pelos cientistas de EGO (expressão genética obscura). Ou, pessoas até então comuns, sofrendo estranhas metamorfoses capazes de transformá-las em criaturas das lendas nórdicas, como trolls e orks. Ou, quem sabe, com nativos-americanos declarando guerra ao governo americano e usando a mais pura magia para forçar uma retirada em massa de grandes cidades tidas por eles como seus legítimos territórios (já pensou isso no Brasil?). Que tal um imenso dragão avistado por dezenas e mais dezenas de pessoas durante uma viagem do trem bala japonês ao Monte Fugi? Ou então, uma entrevista coletiva com um Grande Dragão chamado Dunkelzahn, ou um Talk Show apresentado pelo mesmo? Você pode achar uma verdadeira viajem alucinógena todos esses acontecimentos de Shadowrun, mas acredite, esse jogo consegue, e com muita classe, unir tecnologia e magia em um mesmo cenário.
            A criação dos personagens do jogo, os shadowrunners – os corredores das sombras – é livre e versátil. Apesar de alguns exemplos de arquétipos de personagens nas primeiras páginas, o jogo está aberto aos jogadores para criarem seus personagens como bem desejarem, desde um hacker pistoleiro, até um padre católico que usa magia.
            O sistema de Shadowrun é bem interessante e parece que serviu de base para criação de sistemas de RPGs consagrados, sistemas como Storytelling e Storyteller. Contudo as regras desse RPG demonstram-se por demais intricadas em algumas situações, especialmente na resolução de combates, no qual utiliza três sistemas distintos. Além disso, usa o popular D6, e emprega um sistema de dificuldades variantes para a realização de ações (jogando um número X ou Y de dados que são definidos pelas habilidades para tentar conseguir o maior número de sucessos ante uma dificuldade específica), assim como no Storyteller.
            Mas, o tempo passou, e infelizmente o pesar dos anos fez-se presente em Shadowrun, e são perceptíveis alguns valores ultrapassados no jogo. Por exemplo, as “tecnologias futuristas” expostas principalmente na primeira e segunda edição criadas por alguns profetas dos anos 80 se evidenciam por demais equivocadas ou repletas de conceitos tecnológicos obsoletos: quem implantaria um limitado receptor de rádio cerebral AM/FM em um mundo repleto de Wireless? Bem, nem tudo pôde ser previsto no forno cyberpunk dos anos 80, e a tecnologia Wireless é apenas um mero exemplo.
            Não obstante, acho que você deve estar se perguntando o que é Shadowrun, não é mesmo? Shadowrunners são indivíduos que agem nas sombras, muitos deles não possuem nem sequer registros nos bancos de dados, operando como verdadeiras pessoas invisíveis. Existe uma infinita seção de possíveis trabalhos para um Shadowrunner: espionagem, proteção, caçada à recompensa, recuperação de algum item (ou artefato mágico), eliminação de indesejados... Bem, por muitos neoienes, um Shadowrunner pode ser capaz de tudo, até mesmo vender sua alma para algum Mr. Johnson de uma megacorporação, como a Renraku!
Shadowrun é um RPG que realmente vale a pena ser jogado. Apesar das primeiras edições terem se tornado um pouco obsoletas, não existe nada de tão discrepante que uma visão madura de um narrador, adaptando e atualizando aqui e ali, não resolva. O sistema de combate é um pouco lento e complicado, mas a história do cenário sobrepuja qualquer empecilho do gênero. A editora FASA, criadora de Shadowrun, foi responsável pelo jogo até a terceira edição, mas deixou de existir e esse RPG passou a ser propriedade da Wizard of the Coast, que em 2005 lançou finalmente a excelente quarta edição, com grande reformulação nas regras e atualização do cenário, principalmente na questão da tecnologia – essencialmente com a introdução do conceito de Realidade Aumentada, e em 2009, lançou a magnífica edição comemorativa do aniversário de vinte anos do jogo.
No Brasil foi lançada apenas a segunda edição, primeiro pela editora Ediouro (que se aventurou brevemente no mercado de RPGs) e posteriormente pela Devir. Essas editoras também lançaram alguns suplementos como o Metagen – que trás uma excelente aventura pronta, Contatos – com a descrição e conceitos de alguns informantes para o jogo, revelando ainda mais a importância da informação no mundo de Shadowrun, Catálogo do Samurai Urbano – um guia prático de equipamentos para mercenários e guerreiros de rua, e mais três romances arrebatadores – Não Faça Acordos com o Dragão, Escolha seus Inimigos com Cuidado e Encontre sua Própria Verdade. Todos esses livros são raros e difíceis de encontrar hoje em dia, mas valem a pena serem adquiridos, sendo verdadeiros clássicos dos RPGs.
Finalmente, espero que todos tenham gostado desse artigo que fala um pouco sobre o universo cyberpunk, alguns dos seus frutos, e um dos jogos de RPG que para mim é um dos mais cativantes e envolventes de todos os tempos. Um jogo que infelizmente é pouco conhecido no Brasil, porém, quem sabe as coisas mudem após a leitura desse artigo por vocês. Perceberão que não foi por mero acaso que já foram criados diversos jogos de videogame (inclusive uma versão recente para XBOX 360, que parece mais um CS com magia), card games e outros acessórios usando o título “Shadowrun”, e muito menos por acaso que o jogo resiste veementemente em plena atualidade como um verdadeiro símbolo do quão fascinante foi e ainda é o que foi concebido nos anos 80 em meio ao imaginário Cyberpunk.
Até a próxima...

6 comentários :

  1. Um rpg dos bons, é uma pena que não exista interesse em traduzir a quarta edição pelas editoras nacionais. De fato é um excelente rpg

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    Respostas
    1. Existem rumores referentes a uma possível publicação pela Jambô! Será? Tomara! A Jambô parece que se dedica muito ao que publica.

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  2. Sair pela Jambô?Tomara que sim!! Shadowrun é um jogo extremamente atual apesar de ter sido publicado a mais de 20 anos e serviu de inspiração para filmes como Matrix e tantos outros.
    Um jogo que vale a pena investir!

    Parabéns pelo post Sr. Marcelo Queiroga!

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  3. curti a ideia do jogo, onde consigo esses livros?

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  4. Eu tive em BH recentemente achei um Catálogo do Samurai Urbano da segunda edição em bom estado de conservação. Lembranças boas desse jogo. Acho que vou começar um jogo online nas próximas férias. Belo artigo, Marcelo.

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