quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Morte Súbita: o novo livro de J.K Rowling



Pagford com certeza seria a cidade perfeita que os Dursley escolheriam morar depois de terem se mudado da Rua dos Alfeneiros. Esses foram os pensamentos que, com certeza, passaram pela cabeça dos aficionados leitores de “Harry Potter” ao lerem apenas as primeiras páginas do novo livro de J.K. Rowling, The Casual Vacancy (Morte Súbita).
Por Andrew Leonard 



Depois de cinco anos da estreia do último livro da saga “Harry Potter” em julho de 2007, foi com muito entusiasmo e um pouco de receio que adquiri a obra de 512 páginas no dia 28 de setembro de 2012. Esse livro seria mais uma oportunidade de J.K. Rowling expandir o talento dela para um gênero totalmente diferente do qual se dedicou durante anos. E essa transição foi um ponto crucial. Mas logo fiquei um pouco mais reconfortado com a habilidade da autora de saber contar uma boa história, seja lá qual for o contexto.


Aulas de feitiços, poções, Expresso de Hogwarts, A Toca, bruxos, varinhas, elfos, Copa Mundial de Quadribol, lobisomens e Armada de Dumbledore? Tudo isso parece ter decidido ficar embaixo de uma capa da invisibilidade ou ter tomado uma poção polissuco preparada durante uma década de magia para se transformar em duplicidade, uso de drogas, sexo explícito, embates políticos, falsidade, bullying e diversas outras temáticas. Embora em Hogwarts sempre se apresentem alguns perigos aos personagens, esse local mágico só traz lembranças boas e é tido como um lar tanto para o próprio Harry quanto para os fãs do bruxinho. 




Mas o novo mundo criado pela mente brilhante de J.K. Rowling é tão deprimente e realista que Madame Pince jamais consideraria a ideia de colocar a obra sequer na Seção Reservada da Biblioteca de Hogwarts. E você, certamente, não contaria os dias num calendário para pegar um trem expresso para visitar muitos dos personagens. A maioria deles você não pode deixar de odiar enquanto descobre que intimida os colegas na escola, não se preocupa com o bem-estar familiar e trata os outros como se não fossem nada, pensa apenas no que é melhor para si e detém uma mente tão fechada que torna a vida de muitos moradores um inferno. Enquanto há outros que são meros cidadãos vítimas da injustiça e da falta de compreensão. 






Mas isso não nos faz perder o interesse neles enquanto percebemos os diferentes pontos de vista que os outros frutos da imaginação fértil de Rowling têm uns dos outros. Isso gera em nós a dúvida quanto à verdadeira importância de tal pessoa para a história e a compreensão do por que tomam atitudes que a sociedade consideraria fora do padrão. 





O ponto central da trama gira em torno da morte do novo personagem principal de Rowling, o vereador Barry Fairbrother, que decide sair com a esposa Mary para comemorar o aniversário de dezenove anos de casamento e não divide muitos momentos com os leitores ao morrer de repente com um aneurisma cerebral no estacionamento de um campo de golfe. 



O falecimento de Barry causa choque para os que o viam como uma pessoa importante para o desenvolvimento de Pagford, e alegria para os que agora teriam uma chance de se candidatar para ocupar o lugar dele no Conselho da cidade e fazer valer procedimentos que valorizariam a classe dominante local. 



Dilemas adolescentes, exposição de uma realidade cruel e a importância de saber tomar as decisões certas são temas discutidos nas obras de J.K. Rowling que me fazem admirá-la ainda mais. Ao começar a ler o livro não há como negar que a pessoa sinta um choque. Não só por causa das temáticas muito diferentes, mas por jamais imaginar que a autora escreveria uma história que nos faz refletir sobre uma realidade que está mais próxima de nós do que nunca. Há cenas de personagens que o leitor carrega a angústia, o desespero e a sensação de ter de enfrentar os impasses de um mundo bastante injusto. Como foi mencionado na crítica da Entertainment Time “Pagford é uma cidade onde você jamais iria querer viver. Mas você já vive nela.”






Alguns leitores com certeza acharão estranho ver o uso frequente de palavrões, de linguagem pejorativa, de detalhes explícitos de sexo e de como é difícil a vida de pessoas marginalizadas por uma sociedade preconceituosa. A obra é realmente depressiva, inteligente e há partes muito cômicas e irônicas.



Durante a leitura da obra acompanhei as críticas de jornais internacionais e de críticos renomados e fiquei espantado ao ler que alguns consideravam que os conteúdos tratados por Rowling destruíam a imagem da autora como escritora da aclamada série “Harry Potter”, que vendeu 450 milhões de cópias em todo o mundo. Mas tenho de discordar. E meu motivo para isso é que as tramas pertencem a gêneros totalmente diferentes. Como a própria J.K. Rowling disse “Meu novo romance será totalmente diferente de Harry Potter.” 


E, infelizmente, o que é relatado no livro é a pura realidade. Uma realidade tão gritante que nos faz parar e refletir o quanto as decisões políticas são importantes e, mais importante ainda como o poder é exercido pelas pessoas que estão em escalões mais altos, que devem tomar decisões que atendam as necessidades de todas as pessoas da comunidade, mesmo que mantenham o ideal de as considerarem manchas e vergonha para a localidade.

E a urgência para essa reflexão coincidiu com o lançamento do livro, quando restava apenas alguns dias para as eleições para prefeito e vereadores em todo o Brasil. O que me fez pensar ainda mais sobre as temáticas discutidas.

O conflito psicológico que se passa na cabeça dos personagens nos faz entender por que tomam um rumo na vida que muitos Pagfordianos não aprovariam. Uma das personagens mais intrigantes de toda a trama certamente é Krystal Weedon, filha de uma prostituta dependente de heroína, que tem de cuidar do irmãozinho Robbie. Além dos problemas que tem de aguentar e de viver num bairro marginalizado próximo à cidade, conhecido como The Fields (Os Campos), Krystal sofre diversas injustiças e é alvo fácil das pessoas que querem usá-la para próprio benefício.

Stuart Walls, mais conhecido como Fats, certamente é outro personagem que colocaria medo até mesmo em Draco Malfoy e sua turma de intimidadores. 

Fiquei feliz por ter lido sobre um personagem com o meu nome, Andrew Price, um adolescente que despertou a minha curiosidade não só por sermos xarás, mas pelas atitudes corajosas e às vezes mal compreendidas que o garoto tem de tomar para assegurar que pessoas erradas não ocupem papéis decisivos na cidade em que mora. 

Dificilmente alguém vai ler sobre um dos personagens e dizer nunca ter conhecido ou visto alguém que tenha os mesmos comportamentos ou tenha passado por uma situação semelhante. A briga pela política se torna tão acirrada que às vezes questões éticas são transgredidas mesmo quando os personagens veem que não têm mais saída em determinadas situações. Problemas pessoais e rivalidades só contribuem para revelar segredos do passado e verdades espantosas.

The Casual Vacancy é uma trama muito bem-estruturada pela mente inventiva de J.K. Rowling. A narrativa continua a ser envolvente e rebuscada em certas partes e repleta de informações sobre os mais de vinte personagens, que se entrelaçam a todo o momento durante a história. É um retrato fiel dos conflitos de classes sociais da atualidade, cheios de problemas deprimentes e mais assombrosos do que o Fantasma de Barry Fairbrother. 

Certamente os leitores fiéis de Harry ficarão com aquela sensação de “está faltando alguma coisa” por estarem acostumados com os conteúdos presentes nos sete livros da saga que tornou Rowling bilionária. E esse sentimento com certeza foi ocasionado pela obra ser tão oposta à saga do bruxinho assim como comparar as personagens da Srª Weasley e de Belatriz Lestrange.


Considero a obra uma boa história escrita por uma autora genial. Não provoca uma revolução na literatura como a Pottermania, mas vale muito a pena lê-la. Não sei se daria um bom filme, pois trata mais de conflitos internos e se foca em embates e problemas vividos entre pais, filhos, professores, alunos, maridos e esposas para decidir quem ocupará o lugar deixado por Barry depois da morte. J.K. Rowling mais uma vez cria personagens intrigantes, interessantes e incríveis. A caneta dela é sempre uma caixinha de surpresas. É um best-seller inteligente e bem-articulado, mas se limita apenas aos problemas de uma pequena cidade da Inglaterra. Enquanto acho que Harry Potter vá mais além e ofereça um mundo mais amplo e mais encantador para os fãs da série. Enfim, The Casual Vacancy é um livro bom, bem-escrito e bem bolado para adultos, apenas isso. E Harry Potter jamais deixará de ser um clássico que transcende os limites da imaginação.

O final de The Casual Vacancy não poderia deixar de ser mais trágico e chocante. É uma história impressionante que me fez sentir os olhos queimando por causa das lágrimas enquanto me aproximava da conclusão da trama.

Acredito que muitos trabalhos bons ainda virão da autora. É muito interessante perceber que um escritor possa ter capacidades de escrever bem em diferentes gêneros. O próximo trabalho de Rowling será um livro voltado para o público infantil e ela ainda confirmou que pode escrever mais histórias sobre Harry Potter se tiver uma ideia fabulosa. Cruzemos os dedos para que J.K. compre logo as passagens de trem de Manchester para Londres, embarque num jatinho em direção aos EUA ou que outra ideia fantástica lhe ocorra em outro meio de transporte para nos levar mais fundo nos mundos que criou e nos que em breve virão.

The Casual Vacancy já está disponível no Brasil, com o título "Morte Súbita", desde o dia 05 de dezembro de 2012. A obra foi publicada pela Editora Nova Fronteira.

Um comentário :

  1. Nunca li Harry Potter... E apenas assisti alguns filmes da saga. Porém, como foi tão bem escrito este artigo, acho que irei fazer um 'fezinha' e comprar para minha noiva ler e atestar a qualidade...
    Talvez esta nova obra seja mais interessante para mim, pois são temas que adoro.

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