domingo, 1 de abril de 2012

Por que os jogadores e narradores de Vampiro são tão chatos? : O óbvio ululante nas sessões de Storyteller, parte II.


Por Diego Costa

Como prometido no texto anterior, publico aqui a segunda parte do texto sobre o óbvio ululante nas sessões de Storyteller. Para prosseguir na leitura é recomendável que o leitor já esteja familiarizado previamente com o texto anterior, ao qual disponibilizo aqui. Entretanto, esse texto pode ser tomado individualmente, apesar de que, ele fará mais sentido em alguns pontos com a leitura do anterior.



Antes de começar é preciso dar algumas explicações básicas. A primeira é de um equívoco meu na digitação do texto: Quando eu o escrevi citei a banda gótica Bauhaus no início do texto, e mais adiante retomei no seguinte trecho “músicas inspiradoras “ (até digo quais... qualquer bandinha de power metal ou gothic metal ou black metal...ou qualquer coisa metal. Tu acha que citei Bahauss lá em cima porquê?)” não quis dizer que a banda era do gênero metal, mas como uma das chamadas “músicas inspiradoras”, um erro crasso de digitação de texto, ao qual devo agradecer a colaboração de “Sonado”, que no post anterior, em seu comentário, fez essa observação. Deixo aqui registrado o meu agradecimento por isso.

Bem, dito isso, que comessem os jogos, como diria o psicopata Jigsaw, em “Jogos Mortais”...
A Dança do Vampiro

Na última parte citada do texto anterior, a quarta dica, me referi brevemente ao uso da música para ajudar na concepção de histórias. Entretanto, esqueci-me de dizer que a música tem uma função muito mais que inspiradora de enredos: Ela pode de fato fazer parte do enredo! É essa a quinta dica em suma, o uso da música no enredo para criação de “climas” entre os jogadores.

A música em geral não é muito lembrada no RPG (isso daria uma boa matéria para texto não acha Ailson Lima?), porém ela aparece na composição de cenários, na descrição de locais e até nos sistemas de RPG. Em Vampiro: A Máscara, em particular na 2ªedição é mencionado expressamente que o cenário do Mundo Das Trevas no estilo Horror Pessoal era essencialmente, Punk-Gótico, que nada mais é que a fusão estética de duas tribos urbanas cujas identidades são fortemente ligadas ao estilo de produção musical consumida por seus membros.

É preciso ter isso em mente, narradores, ao compor os cenários, personagens, e enredos, em particular em Storyteller: A música é tudo, ABSOLUTAMENTE TUDO, em Storyteller. Livros, HQ´s, Mangás, Filmes, obras de arte em geral não precisam, e jamais devem ser escamoteadas, porém a música, de todas é a que talvez exija mais atenção dos narradores. Como usá-la então?

Uma forma de uso já foi referida, a inspiração. Outra forma, é na criação de “climas”, a depender do seu estilo de narrativa, um estilo de música pode se sobressair, e é natural que assim seja, tendo em vista nossas preferências e as do grupo. Porém, se o seu intuito é ser realista, terás que abrir bem mais a sua playlist em prol da realidade.

Gatinha põe o dente no pescoço do rapaz
Na dança do vampiro
Você se satisfaz...
Por exemplo, imaginemos a seguinte situação hipotética: Um grupo de jovens cainitas cariocas, ao seguir uma pista crucial para a realização de sua missão, chega a um morro no Rio de Janeiro, e lá ocorre um baile funk – proibidão, provavelmente patrocinado pela milícia ou traficantes locais (não que todo baile seja, mas, enfim...). Você imaginaria que tipo de música tocando ao fundo? Tristania? Sirenia? Epica? Bauhaus? Nirvana? Smashing Pumpkings? Suicidal Tendesse? Imagino aqui a cara de deboche ou “justa” indignação do tipo: “-E você propõe o quê? Tocar funk na minha sessão? Só se for na tua!”. Ok, certo, concordo, também não curto esse estilo, mas continuando o exercício de imaginação... Seja honesto consigo mesmo: Você consegue imaginar uma cachorra do funk sensualizando com sua calça da Gang e rebolando lascivamente até o chão ao som do “batidão” do Dead Can Dance (Valeska Popozuda cantando: “Dead can Dance, Dead Can Dance, é o bonde do Dead Can Dance!”)? Ou uma tchutchuca glamourizando ao som de The Cure (“-Furiosa, rainha do caern...”)? Ou um “pray” dando aquele chega por trás na mina ao som do excitante Jim Morrissey, do The Smiths (“-Mina você é de matar, tá loko!)? Se você consegue... Eu te pergunto: Você tem vida social?

Ora, qual é o princípio básico do cenário OWOD? 

A realidade como ela é nua e crua, com toques cinzentos. Então sim, no caso hipotético acima, terias que usar sim o funk, e aqui fica registrado: Para reproduzir a realidade, é preciso despir-se de pudores e preconceitos. Os juízos de valor não deixarão de existir mas, se você os permitir além da conta, corres o risco de limitar-se. Calma, não é preciso volume máximo no batidão para narrar Changeling, Mago ou Múmias (“- Solta o som aí dj!Um salve para a comunidade dos Euthanatos e as popozudas da corte Unselie aew!”). Veja bem, se você fosse um vampiro e quisesse caçar é mais fácil encontrar o quê: Um show de anarco-punk ou um baile cheio de piriguetes do breganejo/ novinhas para conseguir humanos? Aonde eles estariam mais concentrados?

Tá, talvez seus jogadores digam que jamais pisariam nesses “lugares”, bem, se você quiser uma trolagem básica poderias fazer isso, ao final, como diz, o provérbio popular, nunca diga que dessa água jamais beberás, ou sangue (se bem que imagino muito manolo nos comentários indignado dizendo prefiro sangue de rato e mimimi...). Você pode simplesmente optar pelo silêncio, em determinadas cenas, como a descrita acima, apesar de ela perder parte da sua riqueza interpretativa. Sim, riqueza interpretativa, se você for hábil, algumas oportunidades dão bons motes. Entretanto, não banalize a música: Use-a nos momentos certos, se não ela vira apenas mais um fundo musical.

No geral, use o bom senso: Músicas mais agitadas para cenas agitadas (batalhas), silêncio em cenas “neutras” (uma conversa com o príncipe, por exemplo), um som mais lento em cenas menos agitadas (um romance). Verifique no perfil do grupo o quanto eles se permitem “inovar”, para não dar problemas (sim, alguns chegam a ficar tão “puta revolts,velho!” que podem chegar a parar de jogar naquela mesa ou duvidar da capacidade do narrador, baseado unicamente no “gosto musical” do dito cujo”). Baseado nisso, e num planejamento prévio, é possível um bom uso da música, e muita diversão.

Sexta dica, nem oito nem oitenta. Ou seja: Não leve as coisas tão a sério. Por exemplo: Segundo o Guia da Camarilla, existe 1 vampiro para cada grupo de 100.000 humanos, considerando esse dado e esse fato, fica uma certa estranheza: Como os vampiros são, por assim dizer, o maior grupo de criaturas sobrenaturais, se são tão poucos?

Outra percepção que deve ser levada em conta: Essa estatística não é absoluta. Ela apenas se refere aos vampiros da Camarilla! Ela não condiz, por exemplo, com o número de anarquistas, membros do Sabá, independentes, vampiros orientais, e demais tipos que por ventura você possa utilizar. Além disso, a Camarilla considera quase que arbitrariamente como “tutora” de todos os vampiros por causa da “Máscara”, assim, logo todos aqueles que se escondem ou são forçados a se esconderem, em teoria, se submetem a sua autoridade.

Oh, oh, oh, oooh! Que terror!Oh, oh, oh, oooh! Na dança do vampiro!
Isso significa que você encherá o seu cenário de vampiros? Não. Isso significa que você terá que usar da imaginação e do bom senso. Por exemplo: A estatística acima é praticamente ignorada em inúmeras produções artísticas sobre vampiros. É evidente que não dá para fazer uma batalhar com apenas 1 vampiro (considerando que seja de uma geração baixa). Por exemplo, o município de Jaboatão dos Guararapes tem cerca de 500.000 habitantes, então, haveria 5 vampiros na cidade. Esse grupo se conhece? São todos da Camarilla? Qual seria a geração deles?

Uma boa referência para vampiros e que serve de pontapé para introdução de personagens no WOD é o icônico “Entrevista com Vampiro” (livro e filme), em uma das cenas do filme, Lestat (Tom Cruise) e suas duas crias Louis de Le – Mac (Brad Pitt) e uma criança recém-transformada (Kirsten Durst, a Mary Jane de Homem – Aranha, e do qual esqueci o nome da personagem xD), viajam por muitos anos ao redor do mundo para encontrar membros de sua própria espécie. Cada um a sua maneira anseia pelo encontro: Louis para aplacar sua feroz solidão e buscar respostas, Lestat deseja profundamente (talvez com um medo patológico) jamais encontrar outros de sua própria espécie, a jovem cria que os acompanha apenas vê tudo com indiferença: o seu mundo é o mundo onde está Louis, sua paixão juvenil. Os seus esforços se mostram infrutíferos... o sentimento de solidão começa a apoderar-se deles...e começam a se sentirem os últimos de sua espécie sobre a Terra.

 Até que um belo dia, debaixo de uma pequena ponte, após mais uma noitada regada a bailes e sangue para fugir ao sentimento blasé de não pertencer a nenhum mundo, numa ruela obscura da noite parisiense do século XIX, sob uma luxuriante lua cheia a derramar seu brilho mórbido nas calçadas, lhes surge na frente dos mesmos um elegante cavaleiro de cartola e capa, andando em sua direção... ora de cabeça para baixo, ora como um homem normal... Portando um sorriso diabolicamente sedutor e convidativo.

Para nossa alegria, encontramos outros Vampiros!
A alegria, espanto, e por quê não dizer, medo deles chega a ser comovente. Haveria outros? Mas, o que os espera? E assim, o pequeno grupo de vampiros de Saint-Louis conhece a “Camarilla” local, liderada pelo “príncipe” Armand (Antônio Banderas) e denominada “Teatro dos Vampiros”. Esse encontro determinaria para sempre a não vida dos envolvidos.

Em resumo, trate um encontro entre seres da noite, não como mais um encontro, mais algo único, surpreendente, justamente por não serem muitos, sempre deverá ser uma surpresa, algo que fuja ao comum. Lembre-se que mesmos os mais experimentados podem ser pegos de surpresa.

A sétima dica é uma frase: errar é humano, permanecer no erro é vampiro. O que quero dizer é o seguinte, não existe ser sobrenatural perfeito no mundo, logo não existe organizações isentas de erros (e Deus não conta). Veja o exemplo dos governos do mundo, veja o exemplo do Brasil. Precisa dizer mais?
Então, por que não mostrar os bastidores do poder sob uma nova ótica? Será que o todo poderoso príncipe manda de fato? Será que o líder da matilha está tão certo assim, e aquele ragabash errado? Os espíritos realmente não falham? E por aí vai...

Lembre-se que as organizações oficiais e pessoas podem causar problemas: por exemplo, imaginem encontrar um guarda de trânsito que desconfia demais, uma vizinha mexeriqueira, crianças (!) enxeridas, um falsário, descobrir que caiu na malha fina da receita federal pelo seu crescimento absurdo de patrimônio da noite para o dia (literalmente), descobri que seu aliado em Brasília foi preso numa operação da Polícia Federal e para se safar deu o seu nome, você é encontrado ferido levado a um hospital em que os médicos estranham o seu corpo ou a sua recuperação acelerada, uma prostituta que viu você fazendo algo estranho, um solicito delegado quer saber como você conseguiu essas marcas estranhas e estava envolvido em tantos eventos suspeitos... 

Talvez não precise ir tão longe: 

Bella encontrou Edward no Google

Apesar de cômico, em Crepúsculo, Bella Swan descobriu que Edward Cullen poderia ser um vampiro... PESQUISANDO NO GOOGLE E NO WIKIPÉDIA! (Bella para Edward:“-Amor,eu li na Malkaviano blog e cheguei a conclusão de que você é um vampiro...Porém o Ailson acha que você é uma paquita, a Thaynah que você é uma fada, e o Marcelo que você é apenas viado mesmo...Todos concordam que eu sou uma ótaria, mas eu discordo, tá?”).

Impossível? Não, se você usa a internet, tem curiosidade, coragem e paciência o suficiente para isso (experimente digitar seu email ou seu nome no Google e clique buscar...).
Essa é a era da informação e do fim da privacidade, é cada vez mais difícil se manter incógnito. A obra 1984 de George Orwell, que celebrizou a expressão Big Brother, nos ensina bem o que pode ser um apocalipse informacional, e de como o conhecimento é poder... Muito poder. Vejam os filmes “A Rede”,”Inimigo do Estado” e a trilogia cinematográfica Bourne.

É importante isso, até porque isso tira um pouco daquela tranquilidade de que “ - Há, pronto, fizemos nossa parte, agora é com a Camarilla que cuida de tudo!” . Leitura recomendada, a HQ “Trinta Dias no Escuro”, apenas leiam, só digo isso. E Blade, o primeiro filme e a HQ, também é uma boa pedida.

A oitava dica é um aviso: Lembre-se, o maior predador do mundo das trevas se chama raça humana. Não importa o quão poderoso você seja, jamais, JAMAIS, subestime um ser humano. Não acredita? Me diga uma coisa: Quem precisa da Máscara mesmo? Por que a Tecnocracia luta tanto para manter a humanidade ignorante? Por que os governos do mundo têm segredos de Estado? Por que os poderosos Lobisomens não dilaceram em praça pública os donos das grandes empresas poluidoras? Por que as fadas não mostram novamente sua glória?

Não importa a resposta, ela sempre passará pela raça humana. Ele é o fiel da balança, o peão do intricado xadrez sobrenatural. Porém, peões podem derrubar reis e darem cheque mate. Não importa o quão bem você mente... Um dia a casa cai e o castelo de cartas desmorona.
Por exemplo, numa singela caçada, um grupo de cainitas mata uma mulher. Ela é uma pessoa comum, casada com um esforçado policial. Ele a ama muito. É capaz de tudo por ela. E quem pode prever até onde ele iria, em nome de sua dor? Quer imaginar isso? Assista a “Um dia de fúria” e veja o que o um ser humano pode fazer quando devidamente estressado...

Outros exemplos: O Justiceiro, Batman... Qualquer ser humano tem a besta dentro de si. Por mais poderoso que um vampiro, lobisomem, fadas, magos, múmias sejam, nenhum deles conseguiu matar tantos seres humanos como Hitler, Stalin, Mao Tsé-Tung, Pol-Pot, Papa Doc, Baby Doc... A lista é interminável.
Então tema os humanos, principalmente os comuns. Esses são os mais surpreendentes...

Penúltima dica, as aparências enganam. Nem sempre o mais poderoso é o mais rico, e o mais fraco é o mais pobre. Há uma história no folclore popular nordestino, de que Jesus Cristo em pessoa costuma se disfarçar na terra de homem pobre, negro e mendigo para saber se as pessoas realmente são o que são (quem tem avó criada no interior ou assistiu o Auto da Compadecida sabe do que digo).O príncipe assim não precisa ser necessariamente o cara mais rico da cidade. Ele até pode ser um mendigo. Leiam o conto de apresentação de Vampiro: A Máscara, 2ª edição, é uma das melhores já feitas para o cenário WOD. Você entenderá o porquê de ser tão interessante.

Por fim, temos os fatores tempo e comédia. O primeiro envolve o aspecto prático e o temático. Prático porque narrar sem parar por mais de duas horas é para poucos, e paradas estratégicas para banheiro, água, comida, e até jogar papo fora, são perfeitas para desopilar a mente. Só não as estenda muito para não perder o rumo. O temático é de que as coisas mudam sempre: crises econômicas, guerras, conjunturas políticas...

A comédia pode ser um bom instrumento, desde que usado por parcimônia: Um príncipe que se veste como Elvis (“-Eu sou um príncipe baby, mas só Elvis é rei!”) ou justiçar exótico (“-Eu queria ser uma abelha pra posar na sua flor...haja amor, haja amor! Adoro Luís Caldas”), porém, lembra-se que o foco é horror pessoal, então não abuse.  Isso é válido para estereótipos. Entretanto, o riso pode ser aterrorizante, na mão de um Coringa... Pense nisso.

Bem, foi muito longo o texto, mas espero ter ajudado. Até a próxima.

2 comentários :

  1. O link pro texto I está quebrado. Abraço.

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  2. Bom texto, assim como o primeiro, valiosas dicas e referencias. Grato, Parabéns!

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