Por Diego Costa
Como prometido no texto
anterior, publico aqui a segunda parte do texto sobre o óbvio ululante nas
sessões de Storyteller. Para prosseguir na leitura é recomendável que o leitor
já esteja familiarizado previamente com o texto anterior, ao qual disponibilizo
aqui. Entretanto, esse texto pode ser tomado individualmente, apesar de que, ele fará
mais sentido em alguns pontos com a leitura do anterior.
Antes de começar é
preciso dar algumas explicações básicas. A primeira é de um equívoco meu na
digitação do texto: Quando eu o escrevi citei a banda gótica Bauhaus no início
do texto, e mais adiante retomei no seguinte trecho “músicas
inspiradoras “ (até digo quais... qualquer bandinha de power metal ou gothic
metal ou black metal...ou qualquer coisa metal. Tu acha que citei Bahauss lá em
cima porquê?)” não quis dizer que a banda era do gênero metal, mas como uma das
chamadas “músicas inspiradoras”, um erro crasso de digitação de texto, ao qual
devo agradecer a colaboração de “Sonado”, que no post anterior, em seu
comentário, fez essa observação. Deixo aqui registrado o meu agradecimento por
isso.
Bem, dito isso, que
comessem os jogos, como diria o psicopata Jigsaw, em “Jogos Mortais”...
Na última parte citada
do texto anterior, a quarta dica, me referi brevemente ao uso da música para
ajudar na concepção de histórias. Entretanto, esqueci-me de dizer que a música
tem uma função muito mais que inspiradora de enredos: Ela pode de fato fazer
parte do enredo! É essa a quinta dica em suma, o uso da música no enredo para
criação de “climas” entre os jogadores.
A música em geral não é
muito lembrada no RPG (isso daria uma boa matéria para texto não acha Ailson
Lima?), porém ela aparece na composição de cenários, na descrição de locais e
até nos sistemas de RPG. Em Vampiro: A Máscara, em particular na 2ªedição é mencionado
expressamente que o cenário do Mundo Das Trevas no estilo Horror Pessoal era
essencialmente, Punk-Gótico, que nada mais é que a fusão estética de duas
tribos urbanas cujas identidades são fortemente ligadas ao estilo de produção
musical consumida por seus membros.
É preciso ter isso em
mente, narradores, ao compor os cenários, personagens, e enredos, em particular
em Storyteller: A música é tudo, ABSOLUTAMENTE TUDO, em Storyteller. Livros,
HQ´s, Mangás, Filmes, obras de arte em geral não precisam, e jamais devem ser
escamoteadas, porém a música, de todas é a que talvez exija mais atenção dos
narradores. Como usá-la então?
Uma forma de uso já foi
referida, a inspiração. Outra forma, é na criação de “climas”, a depender do
seu estilo de narrativa, um estilo de música pode se sobressair, e é natural
que assim seja, tendo em vista nossas preferências e as do grupo. Porém, se o
seu intuito é ser realista, terás que abrir bem mais a sua playlist em prol da
realidade.
Gatinha põe o dente no pescoço do rapaz Na dança do vampiro Você se satisfaz... |
Por exemplo, imaginemos
a seguinte situação hipotética: Um grupo de jovens cainitas cariocas, ao seguir
uma pista crucial para a realização de sua missão, chega a um morro no Rio de
Janeiro, e lá ocorre um baile funk – proibidão, provavelmente patrocinado pela
milícia ou traficantes locais (não que todo baile seja, mas, enfim...). Você
imaginaria que tipo de música tocando ao fundo? Tristania? Sirenia? Epica?
Bauhaus? Nirvana? Smashing Pumpkings? Suicidal Tendesse? Imagino aqui a cara de
deboche ou “justa” indignação do tipo: “-E você propõe o quê? Tocar funk na
minha sessão? Só se for na tua!”. Ok, certo, concordo, também não curto esse
estilo, mas continuando o exercício de imaginação... Seja honesto consigo
mesmo: Você consegue imaginar uma cachorra do funk sensualizando com sua calça
da Gang e rebolando lascivamente até o chão ao som do “batidão” do Dead Can
Dance (Valeska Popozuda cantando: “Dead can Dance, Dead Can Dance, é o bonde do
Dead Can Dance!”)? Ou uma tchutchuca glamourizando ao som de The Cure
(“-Furiosa, rainha do caern...”)? Ou um “pray” dando aquele chega por trás na
mina ao som do excitante Jim Morrissey, do The Smiths (“-Mina você é de matar,
tá loko!)? Se você consegue... Eu te pergunto: Você tem vida social?
Ora, qual é o princípio
básico do cenário OWOD?
A realidade como ela é nua e crua, com toques
cinzentos. Então sim, no caso hipotético acima, terias que usar sim o funk, e
aqui fica registrado: Para reproduzir a realidade, é preciso despir-se de
pudores e preconceitos. Os juízos de valor não deixarão de existir mas, se você
os permitir além da conta, corres o risco de limitar-se. Calma, não é preciso
volume máximo no batidão para narrar Changeling, Mago ou Múmias (“- Solta o som
aí dj!Um salve para a comunidade dos Euthanatos e as popozudas da corte Unselie
aew!”). Veja bem, se você fosse um vampiro e quisesse caçar é mais fácil
encontrar o quê: Um show de anarco-punk ou um baile cheio de piriguetes do
breganejo/ novinhas para conseguir humanos? Aonde eles estariam mais
concentrados?
Tá, talvez seus
jogadores digam que jamais pisariam nesses “lugares”, bem, se você quiser uma
trolagem básica poderias fazer isso, ao final, como diz, o provérbio popular,
nunca diga que dessa água jamais beberás, ou sangue (se bem que imagino muito
manolo nos comentários indignado dizendo prefiro sangue de rato e mimimi...).
Você pode simplesmente optar pelo silêncio, em determinadas cenas, como a
descrita acima, apesar de ela perder parte da sua riqueza interpretativa. Sim,
riqueza interpretativa, se você for hábil, algumas oportunidades dão bons
motes. Entretanto, não banalize a música: Use-a nos momentos certos, se não ela
vira apenas mais um fundo musical.
No geral, use o bom
senso: Músicas mais agitadas para cenas agitadas (batalhas), silêncio em cenas
“neutras” (uma conversa com o príncipe, por exemplo), um som mais lento em
cenas menos agitadas (um romance). Verifique no perfil do grupo o quanto eles
se permitem “inovar”, para não dar problemas (sim, alguns chegam a ficar tão
“puta revolts,velho!” que podem chegar a parar de jogar naquela mesa ou duvidar
da capacidade do narrador, baseado unicamente no “gosto musical” do dito
cujo”). Baseado nisso, e num planejamento prévio, é possível um bom uso da
música, e muita diversão.
Sexta dica, nem oito
nem oitenta. Ou seja: Não leve as coisas tão a sério. Por exemplo: Segundo o
Guia da Camarilla, existe 1 vampiro para cada grupo de 100.000 humanos,
considerando esse dado e esse fato, fica uma certa estranheza: Como os vampiros
são, por assim dizer, o maior grupo de criaturas sobrenaturais, se são tão
poucos?
Outra percepção que
deve ser levada em conta: Essa estatística não é absoluta. Ela apenas se refere
aos vampiros da Camarilla! Ela não condiz, por exemplo, com o número de
anarquistas, membros do Sabá, independentes, vampiros orientais, e demais tipos
que por ventura você possa utilizar. Além disso, a Camarilla considera quase
que arbitrariamente como “tutora” de todos os vampiros por causa da “Máscara”,
assim, logo todos aqueles que se escondem ou são forçados a se esconderem, em
teoria, se submetem a sua autoridade.
Oh, oh, oh, oooh! Que terror!Oh, oh, oh, oooh! Na dança do vampiro! |
Isso significa que você
encherá o seu cenário de vampiros? Não. Isso significa que você terá que usar
da imaginação e do bom senso. Por exemplo: A estatística acima é praticamente
ignorada em inúmeras produções artísticas sobre vampiros. É evidente que não dá
para fazer uma batalhar com apenas 1 vampiro (considerando que seja de uma
geração baixa). Por exemplo, o município de Jaboatão dos Guararapes tem cerca
de 500.000 habitantes, então, haveria 5 vampiros na cidade. Esse grupo se
conhece? São todos da Camarilla? Qual seria a geração deles?
Uma boa referência para
vampiros e que serve de pontapé para introdução de personagens no WOD é o
icônico “Entrevista com Vampiro” (livro e filme), em uma das cenas do filme,
Lestat (Tom Cruise) e suas duas crias Louis de Le – Mac (Brad Pitt) e uma
criança recém-transformada (Kirsten Durst, a Mary Jane de Homem – Aranha, e do
qual esqueci o nome da personagem xD), viajam por muitos anos ao redor do mundo
para encontrar membros de sua própria espécie. Cada um a sua maneira anseia
pelo encontro: Louis para aplacar sua feroz solidão e buscar respostas, Lestat
deseja profundamente (talvez com um medo patológico) jamais encontrar outros de
sua própria espécie, a jovem cria que os acompanha apenas vê tudo com
indiferença: o seu mundo é o mundo onde está Louis, sua paixão juvenil. Os seus
esforços se mostram infrutíferos... o sentimento de solidão começa a
apoderar-se deles...e começam a se sentirem os últimos de sua espécie sobre a
Terra.
Até que um belo dia, debaixo de uma pequena
ponte, após mais uma noitada regada a bailes e sangue para fugir ao sentimento
blasé de não pertencer a nenhum mundo, numa ruela obscura da noite parisiense
do século XIX, sob uma luxuriante lua cheia a derramar seu brilho mórbido nas
calçadas, lhes surge na frente dos mesmos um elegante cavaleiro de cartola e
capa, andando em sua direção... ora de cabeça para baixo, ora como um homem
normal... Portando um sorriso diabolicamente sedutor e convidativo.
Para nossa alegria, encontramos outros Vampiros! |
A alegria, espanto, e
por quê não dizer, medo deles chega a ser comovente. Haveria outros? Mas, o que
os espera? E assim, o pequeno grupo de vampiros de Saint-Louis conhece a
“Camarilla” local, liderada pelo “príncipe” Armand (Antônio Banderas) e
denominada “Teatro dos Vampiros”. Esse encontro determinaria para sempre a não
vida dos envolvidos.
Em resumo, trate um
encontro entre seres da noite, não como mais um encontro, mais algo único,
surpreendente, justamente por não serem muitos, sempre deverá ser uma surpresa,
algo que fuja ao comum. Lembre-se que mesmos os mais experimentados podem ser
pegos de surpresa.
A sétima dica é uma
frase: errar é humano, permanecer no erro é vampiro. O que quero dizer é o
seguinte, não existe ser sobrenatural perfeito no mundo, logo não existe
organizações isentas de erros (e Deus não conta). Veja o exemplo dos governos
do mundo, veja o exemplo do Brasil. Precisa dizer mais?
Então, por que não
mostrar os bastidores do poder sob uma nova ótica? Será que o todo poderoso príncipe
manda de fato? Será que o líder da matilha está tão certo assim, e aquele
ragabash errado? Os espíritos realmente não falham? E por aí vai...
Lembre-se que as
organizações oficiais e pessoas podem causar problemas: por exemplo, imaginem
encontrar um guarda de trânsito que desconfia demais, uma vizinha mexeriqueira,
crianças (!) enxeridas, um falsário, descobrir que caiu na malha fina da
receita federal pelo seu crescimento absurdo de patrimônio da noite para o dia
(literalmente), descobri que seu aliado em Brasília foi preso numa operação da
Polícia Federal e para se safar deu o seu nome, você é encontrado ferido levado
a um hospital em que os médicos estranham o seu corpo ou a sua recuperação
acelerada, uma prostituta que viu você fazendo algo estranho, um solicito
delegado quer saber como você conseguiu essas marcas estranhas e estava
envolvido em tantos eventos suspeitos...
Talvez não precise ir tão longe:
Bella encontrou Edward no Google |
Apesar
de cômico, em Crepúsculo, Bella Swan descobriu que Edward Cullen poderia ser um
vampiro... PESQUISANDO NO GOOGLE E NO WIKIPÉDIA! (Bella para Edward:“-Amor,eu
li na Malkaviano blog e cheguei a conclusão de que você é um vampiro...Porém o
Ailson acha que você é uma paquita, a Thaynah que você é uma fada, e o Marcelo
que você é apenas viado mesmo...Todos concordam que eu sou uma ótaria, mas eu
discordo, tá?”).
Impossível? Não, se
você usa a internet, tem curiosidade, coragem e paciência o suficiente para
isso (experimente digitar seu email ou seu nome no Google e clique buscar...).
Essa é a era da
informação e do fim da privacidade, é cada vez mais difícil se manter
incógnito. A obra 1984 de George Orwell, que celebrizou a expressão Big
Brother, nos ensina bem o que pode ser um apocalipse informacional, e de como o
conhecimento é poder... Muito poder. Vejam os filmes “A Rede”,”Inimigo do
Estado” e a trilogia cinematográfica Bourne.
É importante isso, até
porque isso tira um pouco daquela tranquilidade de que “ - Há, pronto, fizemos
nossa parte, agora é com a Camarilla que cuida de tudo!” . Leitura recomendada,
a HQ “Trinta Dias no Escuro”, apenas leiam, só digo isso. E Blade, o primeiro
filme e a HQ, também é uma boa pedida.
A oitava dica é um
aviso: Lembre-se, o maior predador do mundo das trevas se chama raça humana.
Não importa o quão poderoso você seja, jamais, JAMAIS, subestime um ser humano.
Não acredita? Me diga uma coisa: Quem precisa da Máscara mesmo? Por que a
Tecnocracia luta tanto para manter a humanidade ignorante? Por que os governos
do mundo têm segredos de Estado? Por que os poderosos Lobisomens não dilaceram
em praça pública os donos das grandes empresas poluidoras? Por que as fadas não
mostram novamente sua glória?
Não importa a resposta,
ela sempre passará pela raça humana. Ele é o fiel da balança, o peão do
intricado xadrez sobrenatural. Porém, peões podem derrubar reis e darem cheque
mate. Não importa o quão bem você mente... Um dia a casa cai e o castelo de
cartas desmorona.
Por exemplo, numa
singela caçada, um grupo de cainitas mata uma mulher. Ela é uma pessoa comum,
casada com um esforçado policial. Ele a ama muito. É capaz de tudo por ela. E
quem pode prever até onde ele iria, em nome de sua dor? Quer imaginar isso?
Assista a “Um dia de fúria” e veja o que o um ser humano pode fazer quando
devidamente estressado...
Outros exemplos: O
Justiceiro, Batman... Qualquer ser humano tem a besta dentro de si. Por mais
poderoso que um vampiro, lobisomem, fadas, magos, múmias sejam, nenhum deles
conseguiu matar tantos seres humanos como Hitler, Stalin, Mao Tsé-Tung,
Pol-Pot, Papa Doc, Baby Doc... A lista é interminável.
Então tema os humanos,
principalmente os comuns. Esses são os mais surpreendentes...
Penúltima dica, as
aparências enganam. Nem sempre o mais poderoso é o mais rico, e o mais fraco é
o mais pobre. Há uma história no folclore popular nordestino, de que Jesus
Cristo em pessoa costuma se disfarçar na terra de homem pobre, negro e mendigo
para saber se as pessoas realmente são o que são (quem tem avó criada no
interior ou assistiu o Auto da Compadecida sabe do que digo).O príncipe assim não
precisa ser necessariamente o cara mais rico da cidade. Ele até pode ser um
mendigo. Leiam o conto de apresentação de Vampiro: A Máscara, 2ª edição, é uma
das melhores já feitas para o cenário WOD. Você entenderá o porquê de ser tão
interessante.
Por fim, temos os fatores
tempo e comédia. O primeiro envolve o aspecto prático e o temático. Prático
porque narrar sem parar por mais de duas horas é para poucos, e paradas
estratégicas para banheiro, água, comida, e até jogar papo fora, são perfeitas
para desopilar a mente. Só não as estenda muito para não perder o rumo. O
temático é de que as coisas mudam sempre: crises econômicas, guerras, conjunturas
políticas...
A comédia pode ser um
bom instrumento, desde que usado por parcimônia: Um príncipe que se veste como
Elvis (“-Eu sou um príncipe baby, mas só Elvis é rei!”) ou justiçar exótico
(“-Eu queria ser uma abelha pra posar na sua flor...haja amor, haja amor! Adoro
Luís Caldas”), porém, lembra-se que o foco é horror pessoal, então não
abuse. Isso é válido para estereótipos.
Entretanto, o riso pode ser aterrorizante, na mão de um Coringa... Pense nisso.
Bem, foi muito longo o
texto, mas espero ter ajudado. Até a próxima.
O link pro texto I está quebrado. Abraço.
ResponderExcluirBom texto, assim como o primeiro, valiosas dicas e referencias. Grato, Parabéns!
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