“Acho que o que lhe
está faltando é um pouco de prática. Quando eu tinha sua idade, eu treinava
pelo menos meia-hora por dia. Logo depois do café da manhã, fazia o possível
para imaginar cinco ou seis coisas inacreditáveis que poderiam cruzar meu
caminho, e hoje vejo que a maior parte das coisas que imaginei se tornaram
realidade. “
(Alice no país das Maravilhas, Lewis Carroll)
Por Thaynah Leal
O real é aquilo
que pode ser tangenciando pelos meus cinco sentidos e minha imaginação é
baseada no empirismo das mesmas: Max era um homem materialista. Não no conceito
ordinário da palavra, mas era um homem táctil, tangente, padrão. Ele enxergava
assim sua realidade, assim ele acreditava estar certo ou acertadamente próximo
da verdade. Ele tinha uma vida desconfortável, desassossegada: Por mais que
pensasse e vivesse o que acreditava, havia algo mais ou - a mais - que o
incomodava. Algo que transcendia sua cognição e por isso, ele detestava. Ele
não queria adivinhações ou uma inexatidão. Ele queira o táctil. Sempre quis. No
meio dessa vida desconfortável, que apesar de casa, amigos, faculdade e
cigarros, havia sempre um quê de incognoscibilidade, ele caminhava rumo aos
seus dias inexoravelmente.
Agora, o engraçado dessa inexorabilidade é que
ela não é inexorável. Houve um evento que desencadeou uma experiência fora do
táctil em Max e isso tudo foi culpa de Selim, uma criatura advinda da
pós-modernidade unicamente para mostrar a Max que os caminhos mais retos, são
entortados no horizonte distante.
Numa feita destas, o cidadão estava em sua casa,
fumando seus cigarros. Foi quando, nessa epifânia de fumaça, ele percebeu que o
mundo não passava de uma enorme pedra. E que as palavras eram sólidas e
machucavam como britas. E que a fumaça tinha um peso, uma medida. Tudo que ele
havia estudado na física e na química, saltaram aos seus olhos de maneira...
que maneira? Como, seu um equipamento adequado, ele sabia daquelas coisas
precisamente? Max terminou seu cigarro silenciosamente e foi a faculdade.
Era
sábado, nem havia aula. Mas ele foi a biblioteca para pesquisar. Ele buscava
algo que respondesse suas perguntas de maneira definitiva. E foi quando
encontrou um ser destoante na biblioteca. A sensação que tinha era que aquela
pessoa simplesmente podia pegar as coisas no ar. Por sinal... ele havia
percebido COISAS NO AR. Ele começou a ver palavras saindo da cabeça dela e
esvacendo-se conforme ia sendo substituída por outras. Ela lia e ele sabia o
ela estava lendo. Ele ficou nisso por uns cinco minutos, até que o esperado
aconteceu: Ela percebeu. A pessoa virou-se na direção de Max com uma cara de
pouco carisma e ergueu uma das sombrancelhas. Então, ele viu sair da cabeça
dela: Vou arrebentar a sua cara, seu filho de uma puta invasor de
privacidade... E as palavras eram rubras.
Aquilo significava perigo. Só podia.
Max virou o rosto e logrou ir em direção à porta. A pessoa alcançou e disse: Dá
uma licença? Ele virou-se e viu uma garota de moicano verde, piercing na parte
inferior da boca e olhos pretos. "A gente pode ter uma conversinha, brother?".
Max ficou sem reação. Eles saíram da biblioteca e foram rumo ao teatro da
faculdade, onde tava tendo um ensaio lá, e não havia quase ninguém além dos
atores.
Sentaram-se nos fundos e a conversa durou 4 minutos e 23 segundos:
"Vou te jogar a real, fera. Ler a mente alheia é falta de respeito, e te
coloca no mesmo nível dos filhos das putas. Sacas?" "Err. Eu...? Fiz
o que?" "Ah, tu é um puto que levantou da cama agora, né?"
"Eu acho que sim, não sei." "É sim. Olha, dá pra perdoar essa
vez. Mas, tu vai ter que buscar ajuda. Tem uns caras que podem te ajudar a usar
isso aí direito. Rapidamente falando: Não conte isso a ninguém, se não tu vai
receber uma lavagem da Tecnocracia no teu cérebro. Sacas? Tu vai virar pastel.
Outra coisa. Isso dá um problema se for feito de maneira escandalosa,
sacas?" "Escandalosa?" "Ah, sim. Tu podes fazer mágika
agora. Tu despertou tua centelha extemporânea e imaterial. Antes tu alterava a
realidade de maneira cíclica.
Agora, tu pode fazer qualquer coisa geométrica e
abstrata. E inventar as próprias formas. Tá ligado não? Ou tu acha que ver
palavrinhas saindo da cabeça alheia é "normal"?" "..."
"Pois é, fera. Agora é que o bagulho fica tenso. Vou mandar os caras
legais falarem contigo. Bem, preciso ir. Daqui a 10 minutos passa o meu busão e
é exatamente o tempo que eu levo pra chegar na parada." "Como você
sabe?" "Mágika, fera. Mágika. Falou. Segura o rojão." E assim
saio da frente de Max uma das criaturas mais estranhas que ele veria. E ele
ficou observando por um tempo o ensaio e pensando nisso: Em formas geométricas
nunca vistas antes. Talvez fosse impossível. Mas, ele também percebeu que a
sensação de incômodo havia sumido: O impossível existia e era algo que ele
agora podia tocar. E se ele podia tocar, bem, então não tinha como não ser
real. Agora Max queria: O impossível.
Esse conto também foi publicado no Livro dos Espelhos, um dos melhores sites atualmente sobre o cenário de Mago: A Ascensão em língua portuguesa! :)
ResponderExcluirParabéns Thay! Continue escrevendo!
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